28 outubro, 2007

Um Sítio Para Onde Fugir

Vamos fugir! Disse ele no seu tom mais desafiante, sabendo que ela logo o iria contradizer.

Não sejas parvo, para onde fugiríamos? Respondeu ela da forma que ele esperava que ela fosse responder.

Podíamos fugir para África, ver os animais selvagens, sentir o cheiro da terra, respirar o ar puro, um sítio onde podemos ser tudo não sendo ninguém!

Ela parou para pensar. Aquele sítio parecera-lhe perfeito, nem nos seus sonhos tinha conseguido imaginar uma coisa tão simples e ao mesmo tempo tão perfeita.

És a minha África! Fugiu-lhe o grito mais alto que ela alguma vez dera na sua vida e logo ali, na sala de cinema cheia de pessoas silênciosas, completamente absortas no filme mais perfeito de toda a eternidade.

Fugimos para ti, então? Deduziu ele enquanto a observava a comer uma pipoca que não fez barulho ao estalar entre os dentes.

Fugimos para nós! Confirmou ela continuando a olhar o ecrã com aquele sorriso de mulher fatal, com outra pipoca já encostada aos lábios.

E onde será isso? Perguntou, inseguro, por entre o barulho do estalar da pipoca mais barulhenta de sempre.

É o médio oriente, o nosso médio oriente, aquele ponto onde a Europa se mistura com África, mas que não é a Europa, nem é África.

És a minha Europa! Foi a vez dele gritar ao aperceber-se que ela tinha razão.

Continuaram a olhar para a tela, mas não estavam atentos. Pensavam um no outro e nas saudades que iram ter. Colavam os olhos nas suas caras como que a tentar decorar todos os contornos, todos os traços, todas as linhas e todas as pequenas imperfeições que ali, naquela despedida e sob aquela luz a preto e branco que saltava da tela para eles, pareciam mais perfeitas que nunca.

A sala começou a esvaziar-se e eles ficaram ali sentados no sítio preferido dela, no meio, um bocadinho para a esquerda. Na tela, uma mensagem informava a próxima sessão do filme. Eles foram ficando de sessão em sessão até serem obrigados a abandonar a sala pelo velho projeccionista de cabelos brancos que insistia em repor os filmes que marcaram a sua juventude e os seus amores.



(Ao Ricardo e à Marta que insistem em amar-se quando já ninguém acredita no amor deles. Teimosos. Eu voltei a acreditar!)


As Músicas



Os Headlights são uma bandinha indie ao meu gosto e o álbum Kill Them With Kindness uma das agradáveis supresas que me têm aparecido no caminho. Achei esta música apropriada.


I'm hoping that you feel the same as I do
Walking through the ruins of this crazy town
Like we've got plans
That you don't have
And like there's a place waiting just for us to run to
Just for us to run to

If all is the same
Wherever we go
Then I suppose that we should change our names
Settle into something basic
We'll make the world a better place to run to
A place for us to run to
You can stay here for a while
And remember all the empty streets back home
With a little more time
We can picture all the faces that we've known
Along the way
whoa-oh

I'm hoping that you feel the same as I do
Walking through the ruins of this crazy town
Like we've got plans that you don't have
And like there's a place waiting just for us to run to
Just for us to run to
You can stay here for a while
And remember all the empty streets back home
And with a little more time
We can picture all the faces that we've known along the way




(Um pequeno à parte, ou o cantinho da Joana)
Esta não tem nada a ver com o post, é para a ti (desculpa não te dar um post próprio e meter-te aqui quase arrumadinha num canto). Por culpa dos teus gnomos que distribuem os feriados, o nosso "jantar romântico" teve que ser adiado. Para compensar aqui vai esta música. E porque um dia de atraso são só 24 horas, um dia sem ti são mais de 25 (tantas quanto as do dia de hoje)!




Há qualquer coisa de leve na tua mão,
Qualquer coisa que aquece o coração
Há qualquer coisa quente quando estás,
Qualquer coisa que prende e nos desfaz

Fazes muito mais que o sol
Fazes muito mais que o sol

A forma dos teus braços sobre os meus,
O tempo dos meus olhos sobre os teus
Desço nos teus ombros para provar
Tudo o que pediste para levar

Fazes muito mais que o sol
Fazes muito mais que o sol
Fazes muito mais que o sol
Fazes muito mais...

Tens os raios fortes a queimar
Todo o gelo frio que construí
Entras no meu sangue devagar
E eu a transbordar dentro de ti

Tens os raios brancos como um rio,
Sou quem sai do escuro para te ver,
Tens os raios puros no luar,
Sou quem grita fundo para te ter

Fazes muito mais que o sol
Fazes muito mais que o sol
Fazes muito mais que o sol
Fazes muito mais...

Quero ver as cores que tu vês
Para saber a dança que tu és
Quero ser do vento que te faz
Quero ser do espaço onde estás

Deixa ser tão leve a tua mão,
Para ser tão simples a canção
Deixa ser das flores o respirar
Para ser mais fácil te encontrar

Fazes muito mais que o sol
Fazes muito mais que o sol
Fazes muito mais que o sol
Fazes muito mais...

Vem quebrar o medo, vem
Saber se há depois
E sentir que somos dois,
Mas que juntos somos mais

Quero ser razão para seres maior
Quero te oferecer o meu melhor
Quero ser razão para seres maior
Quero te oferecer o meu melhor

Fazes muito mais que o sol
Fazes muito mais que o sol
Fazes muito mais que o sol
Fazes muito mais que o sol
Fazes muito mais que o sol
 

 
     

13 outubro, 2007

Amnésia / Cinco Sentidos / Segredos / Sonhos / Confusão / Mistério


O gato miou antes dos dois sons seguintes: O som do cinzeiro pesado de vidro a cair no chão e o som de madeira oca a ser agredida por um cinzeiro atirado a ela por um gato. Aquele som despertou-me a atenção, estava fora do sítio, e logo eu que me apaixono por tudo o que está fora do sítio.

Aproximei-me do local do crime sob o olhar atento do gato falsamente escondido algures no meio do mar de sapatilhas coloridas, como uma pantufa felpuda com o outro par perdido (ou do outro lado da cama). Bati com as dobras dos dedos na madeira do chão e senti a falta de cimento por debaixo dela.

Peguei na velha navalha do meu avô (aquela que agora nunca sai de casa sem mim) e levantei ligeiramente um dos pequenos pedaços de madeira que formam o padrão do chão. Esperei encontrar pó mas, para além disso, encontrei também um canudo de papel cor-de-café (cor de papel envelhecido pelo tempo) devidamente moldado por uma fita vermelha rematada com um laço tão perfeito que deu pena desfazer.

O papel, se a memória não me falha, escondia o seguinte manuscrito sem qualquer referência à data ou ao autor:



(Visão)
Apanhou-lhe dois ou três cabelos anteriormente pousados sobre o ombro nu enquanto deixava que a cor clara se deixasse notar à luz do candeeiro chinês partido de um dos lados mas ainda com toda aquela cor amarelada que lhe era tão característica, a mesma cor dos cabelos dela que agora acariciava suavemente com os dedos.

(Tacto)
Ela passou-lhe a mão pelo queixo (repleto de barba, que a preguiça deixou crescer) antes de o beijar. Dizia que gostava da forma perfeita dele, assim como da forma dos ombros largos que a protegiam num abraço mais longo e apertado do que o costume. Ele pousava as mãos pela sua pele de cetim, a textura mais suave que alguma vez havia tocado.

(Olfacto)
O cheiro do cabelo dela era uma droga que o hipnotizava sempre que enchia o peito de ar para respirar. Adorava tê-la assim, encostada a ele, era toda uma mescla de cheiros, desde a fusão dos cheiros pessoais dos dois, passando pelos perfumes que antes não se notavam e que agora, juntos, pareciam formar um terceiro perfume com fragrâncias nunca antes experimentadas. E depois haviam os cheiros proibidos enaltecidos pelo desejo e exagerados pela libido, cheiros até aqui guardados e agora libertados de uma só vez, qual garrafa de vinho acabada de abrir.

(Audição)
Ouvia-o murmurar qualquer coisa junto do seu ouvido sensível e não queria que ele se calasse mais, adorava ficar com a pele aos saltos a cada sílaba mais abafada pelos sussurros que escondiam os segredos das palavras. Mas ele só falava raramente, parecia-lhe que sabia exactamente o que queria dizer e quando o queria dizer, não dizia tudo o que tinha a dizer de uma só vez, ia dizendo, tinham todo o tempo do mundo, a noite era deles. Quanto a ele, ouvia os suspiros dela como um marinheiro perdido no mar à deriva ouve o canto de uma sereia.

(Paladar)
A sua língua interpretava tudo o que tocava e confundia o cérebro com o maior prazer que se pode dar a uma língua: outra língua. Ela, por sua vez, experimentava novos sabores com cada trincadela na sua pele e não se saciava enquanto não deixava a sua marca, pequenas tatuagens feitas em traços minúsculos da cor da carne.



Voltei a dobrar o papel no seu formato inicial e pedi a uma mulher para fazer aquele laço perfeito, que só a sensibilidade e gosto pela perfeição das mulheres, consegue fazer. Não lhe mostrei o que dizia, apenas o voltei a esconder no mesmo buraco oco por debaixo daquele socalco de madeira insuspeito, igual a todos os outros.



Acordei com este texto escrito numas folhas pousadas sobre a mesinha de cabeceira. Não sei quem o escreveu, nem reconheço a letra. Não sei se fui eu que o escrevi durante um sonho, não me lembro do que sonhei a noite passada...


As Músicas
Elizabeth Caroline Orton, ou Beth Orton para os amigos (que somos nós) é uma inglesa que começou por fazer vozes para os Chemical Brothers e que entretanto evoluiu para um som muito próprio, repleto de ambientes que misturam a realidade com aquele pedacinho de mundo que é só nosso, que é a nossa visão dele (o mundo).




Running down a central reservation.
Last night's red dress
And I can still smell you on my fingers
And taste you on my breath.
Stepping through brilliant shades
Of the color you bring
But this time, this time, this time
Is whatever I want it to mean.

If this is where memories are made,
I'm gonna like what I see.
And everything I ever took for granted,
I'm gonna let it be.
I step through every shade
Of the color you bring
But this time, this time, this time
Is whatever I want it to mean.

And everything and nothing is
As sacred as we want it to be
When it's real. Make it real.,
Compared to what?
Ooh yeah yeah yeah yeah, yeah yeah
Ooh yeah yeah yeah yeah, yeah yeah

It's like living in the middle of the ocean
With no future, no past,
And everything that's good about now
Might just glide right past.
I'm stepping through brilliant shades
Of the color you bring.
But this time, ths time, this time
Is fine just as it is.

And everything is sacred here,
And nothing is as sacred as I want it to be,
When it's real.
Compared to what?
Ooh yeah yeah yeah yeah, yeah yeah
Ooh yeah yeah yeah yeah, yeah yeah...
Ba da ba, ba da ba, ba da ba ba ba da ba, yeah yeah


Ainda não tinha aqui falado de Beirute, a capital do Líbano e local de muitas mestiçagens, mas já tinha falado de Beirut, o improvável e irrequieto californiano que se apaixonou pelos sons da Europa de Leste. Pois é, o rapaz está de volta com mais uma publicação para 2007, depois dos EPs Pompeii e Elephant Gun e depois do LP Gulag Orkestar e do EP Lon Gisland ambos do ano passado (ufa! ainda bem que o ano já está a acabar). Deliciem-se com este fabuloso Nantes para o novíssimo The Flying Club Cup.

Ah e não percam também este vídeo da música tocada ao vivo nas ruas de Paris para a La Blogotheque.




Well it's been a long time, long time now
Since I've seen you smile
And I'll gamble away my fright
And I'll gamble away my time
And in a year, a year or so
This will slip into the sea
Well it's been a long time, long time now
Since I've seen you smile

Nobody raise their voices
Just another night in Nantes
Nobody raise their voices
Just another night in Nantes
 

 

 

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