22 novembro, 2008

Feridas Abertas (1974)

Passou os dedos pela colecção de discos de vinil para escolher um disco já antigo da sua colecção. Retirou o vinil de Sounds Of Silence dos Simon & Garfunkel e procurou com a agulha a quarta música do lado A. Meteu os auscultadores bem maiores que a sua cabeça e deixou-se estar no seu silêncio. “Era capaz de ouvir esta melodia o dia todo...”, pensou, por cima da música.

Lá fora o seu mundo vivia em revolução, as pessoas pareciam malucas, estavam fora de si com uma liberdade que outrora lhes faltava mas que agora tinham em excesso numa pré anarquia assustadora. “Já só falta libertarem os criminosos todos da prisão, os doidos dos manicómios já andam todos à solta...”, pensou, por cima da música.

Com o pé a abanar no ar ao som da música, ia pensando na sua vida pacata, não tão pacata quanto isso, não tão aborrecida quanto isso. Pensava como podia estar a dar ouvidos a uma voz irritante e doida que não lhe queria sair da cabeça. Não percebia como podia estar a desperdiçar pensamentos com o que alguém doido lhe havia dito. “Maldita dor de cabeça...”, pensou, por cima da música.

As árvores depenadas lá fora e as nuvens carregadas ainda aumentavam mais a sua tristeza. Empoleirou-se no parapeito da janela tentando perceber o que não tinha explicação. Viu uma chaimite a passar lá em baixo, no seu lento passo, a ser ultrapassada por um novíssimo Ford Capri 2.1. “Que contraste mais poético...”, pensou, por cima da música.

Pegou no telefone vermelho que faz o barulho da sineta sempre que se pega nele, e rodou os números, tantos quantos tinha escritos num pedaço de papel já velho e amarrotado. Pela extensão não era um número de cá. Do lado de lá uma voz conhecida reconfortava-o, mesmo que o assunto não fosse o melhor. Pousou o telefone com um novo barulho de sineta e já com um sorriso. “Ainda somos o que fomos...”, pensou, por cima da música.

Fechou os olhos e passou os dedos pela cara dela. Sabia-lhe os contornos de cor. Abriu os olhos e viu o seu próprio reflexo no vidro da janela. “Então é isto a solidão...”, pensou, por cima da música.

Despiu o fato de treino remendado e vestiu as calças à boca de sino e uma camisa colorida com as abas maiores que o necessário. Calçou os sapatos devidamente polidos, vestiu o casaco castanho/forra de sofá, e saiu à rua. Respirou fundo. Foi em direcção ao café. Precisava de cafeína, e de distrair-se. “The only truth I know is you...”, cantou, por cima da música.





A Música
Corria o ano de 1966 quando o Simon e o Garfunkel editaram o fabuloso Sounds Of Silence. O que à partida pode parecer um contrasenso (som e silêncio parecem ser duas coisas que não combinam), à primeira audição faz todo o sentido...


I hear the drizzle of the rain
Like a memory it falls
Soft and warm continuing
Tapping on my roof and walls

And from the shelter of my mind
Through the window of my eyes
I gaze beyond the rain-drenched streets
To England where my heart lies

My mind's distracted and diffused
My thoughts are many miles away
They lie with you when you're asleep
And kiss you when you start your day

And as a song I was writing is left undone
I don't know why I spend my time
Writing songs I can't believe
With words that tear and strain to rhyme

And so you see I have come to doubt
All that I once held as true
I stand alone without beliefs
The only truth I know is you

And as I watch the drops of rain
Weave their weary paths and die
I know that I am like the rain
There but for the grace of you go I

2 COMENTÁRIOS:

Blogger Rute Magalhães disse...

Por onde andas tu capitão joão?

Um beijinho
Ru

22/11/08 20:05  
Blogger João Esquimó disse...

Olá, rutinha!

Ainda atracado no mesmo porto, um bocado à deriva.

Tenho que meter as histórias em dia, tenho saudades!

Beijos!!!!

25/11/08 04:55  

Enviar um comentário

<< Voltar