Coisas Aleatórias
"Nem tudo é assim tão aleatório como as pessoas pensam", dizia alguém na televisão ofuscada pelo reflexo do sol que decidiu aparecer por momentos em mais um dia de chuva e frio.
Peguei no comando (tendo para isso que me levantar e ir buscá-lo mesmo ao lado da televisão, o habitat natural dos comandos, contrariando aquilo para que eles foram inventados por um senhor cansado de se levantar para ir mudar de canal) e, quando ia mudar de canal, o comando não funcionou. Estava sem pilha.
"Uma vez estava na fila do supermercado", continuava a mulher com ar de intelectual, no ambiente estilizado e futurista do programa de televisão cujo nome desconhecia, "era um daqueles mini-mercados pequenos de cidade, e rompeu-se-me o saco com as laranjas porque sou preguiçosa e meti laranjas a mais na saca, que por sua vez era mais fina que as sacas normais, possivelmente uma opção dos proprietários do supermercado para poupar dinheiro em sacas".
Levantei-me novamente para ir à gaveta das pilhas novas para fazer o meu zapping matinal. Só encontrei pilhas usadas metidas cuidadosamente no lugar das novas por alguém que nunca consegue encontrar os pilhões em lado nenhum. Mas porque é que raio é que não metem os pilhões junto do ecoponto? Quem é que se lembra de ir ao supermercado ou à farmácia com uma saca cheia de pilhas?
"O rapaz que estava atrás de mim na fila teve a gentileza de me ajudar a apanhar as laranjas, que estavam espalhadas pela loja toda, e ainda me aconselhou a meter as laranjas em duas sacas para distribuir o peso."
O gato olhava-me de esgueira (ainda molhado e cheio de terra por ter andado onde não devia), enquanto eu tirava as pilhas do relógio da cozinha para tentar mudar finalmente de canal. Estava com azar, não são do mesmo tamanho (mas quem é que teve a infeliz ideia de fazer pilhas de milhares de tamanhos diferentes? Será que não podiam chegar a um consenso sobre um tamanho igual para todos os aparelhos? É que depois ainda têm a lata de meter nomes tão distintos e facilmente confundíveis como AA ou AAA ou AAAA).
"E foi assim que conheci o meu marido, que mais tarde me viria a dizer que na verdade já tinha ido ao supermercado meia hora mais cedo, mas não tinha dinheiro que chegasse e teve que ir a casa buscar o resto do dinheiro. E mais, a razão porque ele não tinha dinheiro foi porque passou por um quiosque a caminho do supermercado e decidiu comprar uma revista que nunca tinha comprado porque achou o artigo da capa interessante".
Com a agulha de crochet da minha avó (entretanto adormecida na sua cadeira de almofadas vermelhas), tentava carregar nos botões minúsculos da televisão feita por uns anões japoneses que não têm os dedos tão grandes quanto os meus me pareciam em comparação com aqueles botões.
"E você, porque foi ao supermercado?", perguntou a apresentadora que até aí só tinha aparecido em planos de beleza para mostrar o seu interesse na conversa, "Acabou-me o leite porque o gato tinha entornado o último pacote."
Antes de fazer força na agulha e finalmente mudar de canal, parei para pensar. Se calhar a mulher tem razão, as coisas não são assim tão aleatórias como pensamos. Porque carga de água (daquelas que nos atacam quando finalmente já não estava tanto frio) é que aqueles dois seres humanos se foram encontrar de forma tão aleatória naquele preciso momento da ampulheta temporal do universo, condicionados por outros tantos acontecimentos aleatórios? E porque razão é que a dona Micas, que ia todos os dias ao supermercado àquela hora, não estava lá naquele dia na fila, entre o rapaz e a rapariga?
As Músicas
O som do mar podia estar mais baixo, a areia podia estar mais limpa, a constelação pata de galinha podia estar visível, as estrelas podiam não estar a apontar para norte, podia estar menos frio, o chá podia estar mais quente, podia não ter chovido, podias deixar pegadas de formato mais convencional que não coubessem dentro das minhas, podia não haver lugar no café frio, podiam não ter sobrado grãos de açúcar para desenhares em cima da mesa estranha, os vidros podiam não ter embaciado ao ponto de se poderem fazer desenhos, podíamos não ter molhado os casacos que nos deixaram frios e desconfortáveis, podias não ter ficado com o meu porta-chaves de madeira (e como senti falta do tilintar daquele pedaço de madeira a bater no plástico do carro no regresso a casa), podia não ter acontecido nenhum desses pequenos acontecimentos aleatórios (in)dignos de registo e mesmo assim não me iria querer esquecer da noite em que tudo quase correu bem mas que foi sabotada pelos gnomos rebeldes que controlam o tempo.
There's a wind that blows in from the north,
And it says that loving takes its course.
Come here. Come here.
No I'm not impossible to touch,
I have never wanted you so much.
Come here. Come here.
Have I never laid down by your side?
Baby, let's forget about this pride.
Come here. Come here.
Well, I'm in no hurry.
You don't have to run away this time.
I know that you're timid,
but it's gonna be all right this time.
Duas singer-songwriters assustadoramente simples: em cima a americana Kath Bloom, em baixo a nossa Mafalda Veiga.
A noite vem às vezes tão perdida
E quase nada parece bater certo
Ha qualquer coisa em nós inquieta e ferida
E tudo o que era fundo fica perto
Nem sempre o chão da alma é seguro
Nem sempre o tempo cura qualquer dor
E o sabor a fim do mar que vem do escuro
É tanta vezes o que resta, do calor
Se eu fosse a tua pele
Se tu fosses o meu caminho
Se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho
Trocamos as palavras mais escondidas
Que só a noite arranca sem doer
Seremos cúmplices o resto da vida
Ou talvez só ate amanhecer
Fica tão fácil entregar a alma
A quem nos traga um sopro do deserto
Olhar onde a distância nunca acalma
Esperando o que vier de peito aberto
Se eu fosse a tua pele
Se tu fosses o meu caminho
Se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho
Peguei no comando (tendo para isso que me levantar e ir buscá-lo mesmo ao lado da televisão, o habitat natural dos comandos, contrariando aquilo para que eles foram inventados por um senhor cansado de se levantar para ir mudar de canal) e, quando ia mudar de canal, o comando não funcionou. Estava sem pilha.
"Uma vez estava na fila do supermercado", continuava a mulher com ar de intelectual, no ambiente estilizado e futurista do programa de televisão cujo nome desconhecia, "era um daqueles mini-mercados pequenos de cidade, e rompeu-se-me o saco com as laranjas porque sou preguiçosa e meti laranjas a mais na saca, que por sua vez era mais fina que as sacas normais, possivelmente uma opção dos proprietários do supermercado para poupar dinheiro em sacas".
Levantei-me novamente para ir à gaveta das pilhas novas para fazer o meu zapping matinal. Só encontrei pilhas usadas metidas cuidadosamente no lugar das novas por alguém que nunca consegue encontrar os pilhões em lado nenhum. Mas porque é que raio é que não metem os pilhões junto do ecoponto? Quem é que se lembra de ir ao supermercado ou à farmácia com uma saca cheia de pilhas?
"O rapaz que estava atrás de mim na fila teve a gentileza de me ajudar a apanhar as laranjas, que estavam espalhadas pela loja toda, e ainda me aconselhou a meter as laranjas em duas sacas para distribuir o peso."
O gato olhava-me de esgueira (ainda molhado e cheio de terra por ter andado onde não devia), enquanto eu tirava as pilhas do relógio da cozinha para tentar mudar finalmente de canal. Estava com azar, não são do mesmo tamanho (mas quem é que teve a infeliz ideia de fazer pilhas de milhares de tamanhos diferentes? Será que não podiam chegar a um consenso sobre um tamanho igual para todos os aparelhos? É que depois ainda têm a lata de meter nomes tão distintos e facilmente confundíveis como AA ou AAA ou AAAA).
"E foi assim que conheci o meu marido, que mais tarde me viria a dizer que na verdade já tinha ido ao supermercado meia hora mais cedo, mas não tinha dinheiro que chegasse e teve que ir a casa buscar o resto do dinheiro. E mais, a razão porque ele não tinha dinheiro foi porque passou por um quiosque a caminho do supermercado e decidiu comprar uma revista que nunca tinha comprado porque achou o artigo da capa interessante".
Com a agulha de crochet da minha avó (entretanto adormecida na sua cadeira de almofadas vermelhas), tentava carregar nos botões minúsculos da televisão feita por uns anões japoneses que não têm os dedos tão grandes quanto os meus me pareciam em comparação com aqueles botões.
"E você, porque foi ao supermercado?", perguntou a apresentadora que até aí só tinha aparecido em planos de beleza para mostrar o seu interesse na conversa, "Acabou-me o leite porque o gato tinha entornado o último pacote."
Antes de fazer força na agulha e finalmente mudar de canal, parei para pensar. Se calhar a mulher tem razão, as coisas não são assim tão aleatórias como pensamos. Porque carga de água (daquelas que nos atacam quando finalmente já não estava tanto frio) é que aqueles dois seres humanos se foram encontrar de forma tão aleatória naquele preciso momento da ampulheta temporal do universo, condicionados por outros tantos acontecimentos aleatórios? E porque razão é que a dona Micas, que ia todos os dias ao supermercado àquela hora, não estava lá naquele dia na fila, entre o rapaz e a rapariga?
As Músicas
O som do mar podia estar mais baixo, a areia podia estar mais limpa, a constelação pata de galinha podia estar visível, as estrelas podiam não estar a apontar para norte, podia estar menos frio, o chá podia estar mais quente, podia não ter chovido, podias deixar pegadas de formato mais convencional que não coubessem dentro das minhas, podia não haver lugar no café frio, podiam não ter sobrado grãos de açúcar para desenhares em cima da mesa estranha, os vidros podiam não ter embaciado ao ponto de se poderem fazer desenhos, podíamos não ter molhado os casacos que nos deixaram frios e desconfortáveis, podias não ter ficado com o meu porta-chaves de madeira (e como senti falta do tilintar daquele pedaço de madeira a bater no plástico do carro no regresso a casa), podia não ter acontecido nenhum desses pequenos acontecimentos aleatórios (in)dignos de registo e mesmo assim não me iria querer esquecer da noite em que tudo quase correu bem mas que foi sabotada pelos gnomos rebeldes que controlam o tempo.
There's a wind that blows in from the north,
And it says that loving takes its course.
Come here. Come here.
No I'm not impossible to touch,
I have never wanted you so much.
Come here. Come here.
Have I never laid down by your side?
Baby, let's forget about this pride.
Come here. Come here.
Well, I'm in no hurry.
You don't have to run away this time.
I know that you're timid,
but it's gonna be all right this time.
Duas singer-songwriters assustadoramente simples: em cima a americana Kath Bloom, em baixo a nossa Mafalda Veiga.
A noite vem às vezes tão perdida
E quase nada parece bater certo
Ha qualquer coisa em nós inquieta e ferida
E tudo o que era fundo fica perto
Nem sempre o chão da alma é seguro
Nem sempre o tempo cura qualquer dor
E o sabor a fim do mar que vem do escuro
É tanta vezes o que resta, do calor
Se eu fosse a tua pele
Se tu fosses o meu caminho
Se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho
Trocamos as palavras mais escondidas
Que só a noite arranca sem doer
Seremos cúmplices o resto da vida
Ou talvez só ate amanhecer
Fica tão fácil entregar a alma
A quem nos traga um sopro do deserto
Olhar onde a distância nunca acalma
Esperando o que vier de peito aberto
Se eu fosse a tua pele
Se tu fosses o meu caminho
Se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho
5 COMENTÁRIOS:
confesso(talvez um pouco envergonhada) que tive de ler pelo menos 2 vezes a parte final, ou conclusão, ou isso da história porque não percebia o que fazia a dona micas lá pro meio, assim do nada
(agora é a parte em que mandas o teu riso sarcástico em forma de dona micas... mas ok, eu não fico chateada)
ainda assim conseguiste descrever de uma forma positiva o que aconteceu, se fosse eu diria:"o barulho do mar já estava a meter nojo porque queria a força toda com que nos calassmos,a areia estava atulhada de lixo, as estrelas piraram se todas á excepção de duas ou três que formavam uma m#*!! de uma constelação em forma de seta para norte, que mais parecia saida de um filme futurista do nascimento de jesus, mas que nos indicava o caminho para a tempestade.As tuas pegadas são enormes, e as minhas não cabem porque são em formato de garrafa de coca-cola.(tens alguma coisa contra os meus desenhos com grãos de açucar?)
agora não posso continuar porque tenho de ir embora...
ah, não julgues que me escapou o facto de me chamares ladra de porta-chaves de madeira!...
beijo
Eu estava cheio de sono quando escrevi isso, é normal que não faça grande sentido. Hum... E agora continuo cheio de sono, por isso vai continuar a não fazer sentido nenhum o que estou a dizer.
ah
ahahah
ah
ahahah
ah
ah ah
(riso sarcástico em forma de do... abstracto, tá? era minha intenção fazer uma forma abstracta, não estava a tentar fazer a dona Micas)
Eu até descrevi de forma mais ou menos positiva, mas tu foste arrasadora. Gostaste de alguma coisa da noite? Da companhia, por exemplo? Não? Xi... Nem isso?
lolol
Não tenho nada contra os teus desenhos com grãos de açúcar, eu adorei!! Tu é que destruíste o desenho, se bem me lembro...
E eu não te chamei ladra de porta-chaves de madeira, apenas insinuei que ficaste com ele contra a minha vontade.
Beijo!!
ai...
eu estava só a brincar, percebeste não percebeste? :/
(vá lá...sim!?!?)
agora para terminar andei a procura do porta-chaves pelo quarto, isto porque o d.floky andou a brincar com ele... a minha sorte...nunca nada de 3x3cm me deu tanto trabalho...(lol, lá estou eu a queixar-me)
beijo*
Eu percebi que estavas a brincar e estava a brincar contigo por estares a brincar com isso, a não ser que estivesses a brincar quando disseste que estavas a brincar e nesse caso eu estaria a brincar com uma coisa séria que pensava que era a brincar numa brincadeira que afinal era séria e não tinha piada nenhuma porque não era a brincar.
Se pensas que podes trocar o meu porta-chaves de madeira por um pedaço de lenha e que eu nem vou notar, estás muito enganada, que eu nem vou notar.
Hum... Lembrei-me agora: assinaste? Ou só estragaste o meu porta-chaves de madeira e nem sequer queres assinar porque tens vergonha de assinar, visto que se assinares toda a gente vai saber que foste tu que o fizeste?
Estou cheio de sono, mas perdi o sono e não consigo dormir, apesar de ter sono... Não faz grande sentido, eu sei, mas também provavelmente ninguém vai ler isto e não me apetece fazer um post novo porque aquilo dá trabalho e eu gosto daquelas bolachas de chocolate em sacos gigantes que têm figuras de animais do circo. Conheces essas bolachas? Agora deu-me vontade de comer essas bolachas... Apesar de não ter fome...
Vou ver se durmo,
Beijo!!
qual? aquele porta-chaves que fiz de novo, com um resto de madeira de uma maquete que está neste momento a secar na cozinha e a ganhar cheiro a fritos?não, por acaso ainda não assinei.
espero que tenhas sonhado com bolachas em forma de animazinhos do circo(ainda não percebi que animaizinhos diferentes são esses) ah e lacinhos cor-de-rosa ás bolinhas amarelas
riso sarcástico em forma de beijo.
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