06 janeiro, 2008

Outros Tempos...

A noite havia já caído sobre o Condado Portucalense, nome recentemente emprestado da cidade de Portus Cale, sendo esta agora e para o futuro conhecida apenas como Porto, na novíssima rua de terra batida recentemente mandada construir por D. Afonso, que mais tarde viria a formar o seu próprio reino.

Na carruagem parada, inútil perante o lago que havia inundado a tal nova rua, à conta da chuva que não parava de cair, estavam dois jovens com o melhor dos aspectos, a contrastar com as gentes deste baldio que até há bem pouco tempo nem sequer era servida por estradas e, por real consequência, era invisível a olho da nobreza.

- Não tenhais falsas esperanças, que tão cedo esta chuva não passará. - Afirmou o jovem cavalheiro com tamanha certeza que não dava maneio para dúvida.

E não passaram mais de cinco minutos, isso vos juro eu, este humilde narrador, até que parasse completamente de chover.

- Vejo que as coisas do tempo não são a que mais dominais. - Troçou a jovem Donzela que acompanha o cavalheiro.
- Pois ficai sabendo que as coisas do tempo e as coisas do coração não me guardam a mim qualquer segredo.
- Pois vejo que não, vejo que não. Que dizeis então a uma caminhada pela calma da noite, enquanto essa vossa amiga, a chuva, não volta?

E vos garanto eu mais uma vez que não passou mais de um quarto de uma hora até que a chuva voltasse a cair e desta vez, ou muito ignorante seja eu nessas coisas do tempo que faz, não se apressará a parar tão cedo.

Encurralados pela surpresa que só parece ter surpreendido a jovem Donzela, e já muito afastados da carruagem que, verdade seja dita, também não os iria acudir de tão violenta tempestade, o jovem cavalheiro apressou-se a remediar a situação da melhor maneira que podia e sabia.

Toc. Toc. Toc.

Foi o som que saiu aquando do contacto de sua mão coberta com a mais branca das luvas, com a parte húmida e dura da madeira da porta.

- Quem aí vai? Quem aí vai? - Questionou uma voz de mulher por entre a escotilha da porta.

- Pois cara senhora, peço-vos pela mercê de nosso senhor que nos acudais neste momento de aflição, que deixamos terra firme e vêmo-nos agora presos nesta ilha prestes a afundar-se.

A masmorra fechou-se e fez silêncio durante os próximos vinte e três segundos, se é permitida a este narrador a ousadia de abusar desse instrumento tão raro e valioso que é a precisão, enquanto a mulher ponderava se haveria ou não de abrigar fugitivos de aspecto tão ilustre como estes que se apresentavam à sua frente.

- Fazei o favor. - Mandou-os entrar, confirmando as minhas suspeições de que iria mesmo, ou não fosse eu omnipresente e omnipotente, não em todo o mundo, está certo, mas pela graça que Deus nosso senhor me concedeu, pois que serei um deus menor em minha história.

Os dois entraram. Primeiro o cavalheiro, como mandam as regras daquilo que ficará para a vossa história como cavalheirismo, sempre que homem e mulher se apresentem perante situações de perigo, coisa que não acontecerá aqui, mas por enquanto nenhum dos dois sabe isso. Oh, mas que triste e infeliz narrador sou eu, porque vos digo a vós, caros leitores, que não haverá perigo? Se o não dissesse, pois que vós iríeis estar a pensar se haveria ou não. As minhas mais ilustres desculpas, mas agora não vou dar a volta à pena e vou continuar a história, pois que o papiro e a tinta estão pelo preço da morte nos tempos que correm.

A Donzela entrou logo que o cavalheiro lhe concedeu entrada, com cada uma de suas sete saias arregaçadas, sendo que a última se arregaçou em demasia, colocando-se-lhe parte do tornozelo à mostra, situação que nenhum dos dois conseguiu ignorar, ficando suas faces da cor dos tomates, e ficai descansados que nos tempos em que nos encontrámos os legumes a que damos o nome de tomalt não têm ainda a conotação malvada e depravada que bem reflectem os tempos que estão para vir.

- Estava já eu com o pote ao lume, quereis vós um caldinho quentinho que vos aqueça a alma?

- Pois a ferver já está minha alma, mas meu corpo treme, por isso em meu nome e em nome da Donzela que se apresenta ao meu lado, pois que lhe ficaríamos eternamente agradecidos e apenas lhe poderemos prometer isso, pois que apesar de nosso aspecto burguês, a única coisa que possuímos é o coche que se encontra lá mais abaixo, ainda em terras de vosso senhor.

- É tudo quanto me basta a mim, porém não é a mim que tereis de agradecer, mas antes ao senhor meu pai.

Os dois trocaram olhares chocados: Como pode uma mulher de tamanha idade e bigode já feito ainda prestar contas a seu pai? Foi então que a mulher começou a falar, como se nunca o tivesse feito e como se, chegada ao fim, não lhe restassem mais palavras para descrever mais nenhum pormenor de sua vida, pois todas as palavras estariam gastas como sua garganta.

Foi assim que os dois ficaram a saber que seu marido havia saído para o mar uma noite e não havia voltado no dia a seguir. A mulher esperou enquanto pôde, até lhe começarem a cair os primeiros dentes, e mais uma vez vos aviso, caros leitores do futuro, pois que todos os leitores são do futuro porque nunca ninguém lê um livro ao mesmo tempo que ele é escrito, mais uma vez vos aviso que nos tempos que correm a higiene dentária não é das principais preocupações das gentes da nossa altura, sendo que os dentes nos começam a cair por volta dos vinte e cinco anos da nossa triste vida.

Com um dente a menos e ainda sem crias, a mulher regressou a casa de seus progenitores procurando abrigo, procurando a comida que já lhe faltava há tanto tempo. Sua mãe havia já passado para aquele lugar melhor a que nós, no nosso tempo, chamamos de purgatório, não sabendo eu que nome usais vós, no vosso tempo, para descrever o lugar para onde se vai depois de morrermos, se é que usais algum nome para o descrever.

Seu pai, agricultor desde tenra idade, acolheu-a de bom grado e agradeceu a ajuda escrava que uma mulher sempre dá (perdoai se a expressão é abusada para vosso tempo, espero eu, um utopista assumido, que por vosso tempo essas criaturas tão belas já tenham melhores dias).

Chocados das suas vidas, a ouvir tamanha história, os dois jovens devoravam o caldo de água a saber a uma couve que a mulher logo retirou do pote para aproveitar para outro caldo. Nunca imaginaram, nas suas vidas mimadas de realeza por entre banquetes de comida que sobrava sempre, que existiriam pessoas a viver em tamanha miséria, alimentando-se de chá de couves e vivendo sob tectos de palha que não abrigam completamente da chuva, que diminuem apenas a sua intensidade.


(a propósito de uma conversa com a minha avó sobre um sofisticado frigorífico vazio com apenas uma couve e os relatos dos seus tempos de juventude, não assim há tanto tempo atrás)



As Músicas
Não sei se é arriscado demais dizer que o concerto do Andrew Bird a que assisti em Famalicão, sim, foi mesmo em Famalicão. Não, não foi no Porto ou Lisboa ou Coimbra, foi mesmo naquela cidade perdida algures entre o Porto e Braga. Hum... Já me perdi, e seguindo a tradição daquele meu antecessor que escreveu o texto de cima, não vou apagar e vou continuar, que a electricidade está cara. O que eu queria dizer é que aquele concerto foi dos melhores da minha vida (a seguir ao concerto do Armando Teixeira como Bulllet). Esta música é do "novo" álbum do senh dos assobios, Armchair Apocrypha.


I dreamed you were a cosmonaut
of the space between our chairs
And I was a cartographer
of the tangles in your hair

I sang the song that silence sings
It's the one that everybody knows, everybody knows
The song that silence sings
And this is how it goes

These looms that weave apocrypha
they're hanging from a strand
The dark and empty rooms were full
of incandescent hands

The awkward pause
The fatal flaw
Time, it's a crooked bow
Time is a crooked bow

In time you need to learn, to love
The ebb just like the flow
Grab hold of your bootstraps, and pull like hell
until gravity feels sorry for you, and lets you go
As if you lack the proper chemicals to know
the way it felt the last time you let yourself fall this low

Time's a crooked bow
Time's a crooked bow
Time, it's a crooked bow

Fifty-five and three-eighths years later
At the bottom of a gigantic crater
An armchair calls to you
Yeah, and armchair calls to you
It says, someday, we'll get back at them all
With epoxy and a pair of pliers
As ancient sea slugs begin to crawl
through the ragweed and barbed wire

You didn't write
You didn't call
It didn't cross your mind at all
Through the waves
waves of hay and straw
You couldn't feel a thing at all
Fifty-five and three-eighths
Time
Fifty-five and three-eighths
Time
Time




Os The National ficaram "famosos" no meio indie especialmente após o álbum Alligator de 2005, altura em que me deixei seduzir pelo som sombrio da banda e pela voz poderosa, também sombria do Matt Berninger. Este novo álbum, o Boxer é uma notável evolução em relação ao álbum anterior e uma presença assídua nas adoradas listas dos melhores de 2007.


I got two armfuls of magazines for you
I’ll bring em over
So hang your holiday rainbow lights in the garden
Hang your holiday rainbow lights in the garden and I’ll
I’ll bring a nice icy drink to you

Let me come over I can waste your time I’m bored
Invite me to the war every night of the summer
And we’ll play G.I. blood, G.I. blood
We’ll stand by the pool
We’ll throw out our gold medals

Darling can you tie my string
Killers are callin on me
My angel face is fallin
Feathers are fallin on my feet
Darling can you tie my string
Killers are callin on me

Stay near your, stay near your television
Set it up outside
And hang your holiday rainbow lights in the garden
Hang your holiday rainbow lights in the garden and I’ll
I’ll bring a nice icy drink to you

Let me come over I can waist your time I’m bored
Invite me to the war every night of the summer
And we’ll play G.I. blood, G.I. blood
We’ll stand by the pool
We’ll throw out our gold medals

Darling can you tie my string
Killers are callin on me
My angel face is fallin
Feathers are fallin on my feet
My angel face is fallin
Feathers are fallin on my feet
Darling can you tie my string
Killers are callin on me
Darling can you tie my string
Killers are callin on me

4 COMENTÁRIOS:

Anonymous Anónimo disse...

e hoje, já te disse que me irritas?
quem é que te tirou da lâmpada mágica?
que nervos...
"pára de dizer coisas com sentido"

só por causa das coisas nem levas asterisco!

(depois lembra-me do riso sarcástico em forma de lâmpada mágica)

6/1/08 20:08  
Anonymous Anónimo disse...

tradução complectamente aborrecida, enfadonha e sei lá que mais:

está bonito o texto.
és um génio.
beijos!

6/1/08 23:44  
Blogger Lara Mara disse...

Está espectacular meu senhor. A letra do Andrew Bird também está 5*! Porque não metes os mutantes agora? "Ando meio desligado eu nem sinto os pés no chãao"

lol

Beijo*****!

8/1/08 19:46  
Blogger João Esquimó disse...

Joana,

Não te irrito assim tanto, só de vez em quando, de lua em lua...

--

Lara,

Qualquer dia meto Os Mutantes, mas não essas mais... hum... como dizer? Estranhas...

--

Beijo!!

12/1/08 04:31  

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