Sonho De Uma Noite De Inverno
A livraria era velha e os livros estavam cheios de pó, não tinham aquele cheiro a novo das livrarias de centro comercial que tanto enjoam e entontecem. As estantes eram feitas daquela madeira de antigamente, aquela madeira escura e maciça que era feita para durar séculos, nada destas madeiras plastificadas montadas com dois parafusos com um manual de instruções confuso que ao fim de dois anos já são mais lenha de fogão que estantes propriamente ditas.
A contrastar com aquele ambiente de museu, estava ao balcão uma rapariga jovem de aspecto oriental, talvez fosse chinesa, a julgar pela cara redonda. O balcão, uma secretária três vezes maior que a minha, estava povoado de livros abertos e um enorme pote de barro que albergava os mais de vinte paus de incenso que enfeitavam o ar de fumos e cheiros.
Os livros não estavam organizados alfabéticamente, também não estavam organizados por temas. Para falar a verdade, acho que nem sequer estavam organizados, os livros velhos foram ficando por ali e os novos foram sendo postos nos buracos deixados pelos livros que uma ou outra pessoa escolhia para folhear e levar.
Decidi render-me ao espírito do espaço: fechei os olhos, dei duas voltas até me sentir tonto e tirei um livro à sorte.
O livro que tirei chamava-se "A Oriente", era vermelho, tinha as dobras da capa coladas com fita-cola castanha e o desenho rudimentar de um candeeiro de papel chinês. Em baixo, quase escondido na capa, figurava o nome do escritor numas letras tão pequenas que agora me escapam à memória.
Li as três primeiras páginas, sendo que "ler" é uma expressão demasiadamente vaga para descrever aqueles parágrafos que me entonteceram como entontece o ópio e voltei a colocar o livro na estante 3B, controlando o desejo de o ler todo de seguida, para tentar prolongar aquele sentimento que não se sabe bem o que é, mas que sabe bem.
Virei-me para ela (afundada até ao pescoço no seu casaco com botões do tamanho da lua) e disse: "Vou escondê-lo aqui, para quando o quiseres ler!". Ela não disse nada, sorriu aquele seu sorriso que me tira do sério e continuou a folhear os livros todos de uma vez, com as pontas dos dedos, assobiando uma qualquer melodia para mostrar o seu desinteresse, enquanto percorria as estantes com aquele seu passo inseguro e o paraíso no seu olhar sempre desviado do meu.
E a banda de baile começou a tocar baixinho lá fora, na praça deserta repleta de luzinhas de Natal (umas bonitas, outras feias, outras até mesmo assustadoras) e daquele frio de Inverno que só não se fazia sentir quando tinha a cabeça nela, na Lua.
As Músicas
É difícil falar deste cantor boémio com o cigarro no canto da boca e o copo de tasca na mão como imagens de marca. Primeiro porque é daqueles nomes intocáveis da música portuguesa, segundo porque sou assim um "fãzinho" do Jorge Palma desde pequeno, quando ainda nem sabia sequer que as músicas eram dele. Para não dizer mais asneiras, aqui fica este Dá-me Lume, não me deixes morrer ao frio...
Chegaste com três vinténs
E o ar de quem não tem
Muito mais a perder
O vinho não era bom
A banda não tinha tom
Mas tu fizeste a noite apetecer
Mandaste a minha solidão embora
Iluminaste o pavilhão da aurora
Com o teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar
Eu fiquei louco por ti
Logo rejuvenesci
Não podia falhar
Dispondo a meu favor
Da eloquência do amor
Ali mesmo à mão de semear
Mostrei-te a origem do bem e o reverso
Provei-te que o que conta no universo
É esse passo inseguro
E o paraíso no teu olhar
Dá-me lume, dá-me lume
Deixa o teu fogo envolver-me
Até a musica acabar
Dá-me lume, não deixes o frio entrar
Faz os teus braços fechar-me as asas
Há tanto tempo a acenar
Eu tinha o espírito aberto
Às vezes andei perto
Da essência do amor
Porém no meio dos colchões
No meio dos trambolhões
A situação era cada vez pior
Tu despertaste em mim um ser mais leve
E eu sei que essencialmente isso se deve
A esse passo inseguro
E ao paraíso no teu olhar
Dá-me lume, dá-me lume
Deixa o teu fogo envolver-me
Até a musica acabar
Dá-me lume, não deixes o frio entrar
Faz os teus braços fechar-me as asas
Há tanto tempo a acenar
Se eu fosse compositor
Compunha em teu louvor
Um hino triunfal
Se eu fosse critico de arte
Havia de declarar-te
Obra-prima à escala mundial
Mas eu não passo dum homem vulgar
Que tem a sorte de saborear
Esse teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar
Dá-me lume, dá-me lume
Deixa o teu fogo envolver-me
Até a musica acabar
Dá-me lume, não deixes o frio entrar
Faz os teus braços fechar-me as asas
Há tanto tempo a acenar
Da mesma forma que pelos 20 anos de carreira dos Xutos & Pontapés fizeram um álbum de tributo com covers, para celebrar os 20 anos de carreira do Rui Veloso juntaram-se 14 bandas para fazer covers das 11 músicas que faziam parte do primeiro álbum do Rui Veloso. Esta, para mim, é das melhores versões que já ouvi de qualquer música, pelas mãos (e voz) dos Clã com a inevitável letra do Carlos Tê que, para além de ser o senhor que escreve as letras das músicas do Rui Veloso, é também ele que escreve as letras para os Clã.
Tenho à janela
Uma velha cornucópia
Cheia de alfazema
E orquídeas da Etiópia
Tenho um transístor ao pé da cama
Com sons de harpas e oboés
E cantigas de outras terras
Que percorri de lés-a-lés
Tenho uma lamparina
Que trouxe das arábias
Para te amar à luz do azeite
Num kamasutra de noites sábias
Tenho junto ao psyché
Um grande cachimbo d'água
Que sentados num canapé
Fumámos ao cair da mágoa
Tenho um astrolábio
Que me deram beduínos
Para medir no firmamento
Os teus olhos astralinos
Vem, vem à minha casa
Rebolar na cama e no jardim
Acender a ignomínia
E a má língua do código pasquim
Que nos condena numa alínea
A ter sexo de querubim
A contrastar com aquele ambiente de museu, estava ao balcão uma rapariga jovem de aspecto oriental, talvez fosse chinesa, a julgar pela cara redonda. O balcão, uma secretária três vezes maior que a minha, estava povoado de livros abertos e um enorme pote de barro que albergava os mais de vinte paus de incenso que enfeitavam o ar de fumos e cheiros.
Os livros não estavam organizados alfabéticamente, também não estavam organizados por temas. Para falar a verdade, acho que nem sequer estavam organizados, os livros velhos foram ficando por ali e os novos foram sendo postos nos buracos deixados pelos livros que uma ou outra pessoa escolhia para folhear e levar.
Decidi render-me ao espírito do espaço: fechei os olhos, dei duas voltas até me sentir tonto e tirei um livro à sorte.
O livro que tirei chamava-se "A Oriente", era vermelho, tinha as dobras da capa coladas com fita-cola castanha e o desenho rudimentar de um candeeiro de papel chinês. Em baixo, quase escondido na capa, figurava o nome do escritor numas letras tão pequenas que agora me escapam à memória.
Li as três primeiras páginas, sendo que "ler" é uma expressão demasiadamente vaga para descrever aqueles parágrafos que me entonteceram como entontece o ópio e voltei a colocar o livro na estante 3B, controlando o desejo de o ler todo de seguida, para tentar prolongar aquele sentimento que não se sabe bem o que é, mas que sabe bem.
Virei-me para ela (afundada até ao pescoço no seu casaco com botões do tamanho da lua) e disse: "Vou escondê-lo aqui, para quando o quiseres ler!". Ela não disse nada, sorriu aquele seu sorriso que me tira do sério e continuou a folhear os livros todos de uma vez, com as pontas dos dedos, assobiando uma qualquer melodia para mostrar o seu desinteresse, enquanto percorria as estantes com aquele seu passo inseguro e o paraíso no seu olhar sempre desviado do meu.
E a banda de baile começou a tocar baixinho lá fora, na praça deserta repleta de luzinhas de Natal (umas bonitas, outras feias, outras até mesmo assustadoras) e daquele frio de Inverno que só não se fazia sentir quando tinha a cabeça nela, na Lua.
As Músicas
É difícil falar deste cantor boémio com o cigarro no canto da boca e o copo de tasca na mão como imagens de marca. Primeiro porque é daqueles nomes intocáveis da música portuguesa, segundo porque sou assim um "fãzinho" do Jorge Palma desde pequeno, quando ainda nem sabia sequer que as músicas eram dele. Para não dizer mais asneiras, aqui fica este Dá-me Lume, não me deixes morrer ao frio...
Chegaste com três vinténs
E o ar de quem não tem
Muito mais a perder
O vinho não era bom
A banda não tinha tom
Mas tu fizeste a noite apetecer
Mandaste a minha solidão embora
Iluminaste o pavilhão da aurora
Com o teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar
Eu fiquei louco por ti
Logo rejuvenesci
Não podia falhar
Dispondo a meu favor
Da eloquência do amor
Ali mesmo à mão de semear
Mostrei-te a origem do bem e o reverso
Provei-te que o que conta no universo
É esse passo inseguro
E o paraíso no teu olhar
Dá-me lume, dá-me lume
Deixa o teu fogo envolver-me
Até a musica acabar
Dá-me lume, não deixes o frio entrar
Faz os teus braços fechar-me as asas
Há tanto tempo a acenar
Eu tinha o espírito aberto
Às vezes andei perto
Da essência do amor
Porém no meio dos colchões
No meio dos trambolhões
A situação era cada vez pior
Tu despertaste em mim um ser mais leve
E eu sei que essencialmente isso se deve
A esse passo inseguro
E ao paraíso no teu olhar
Dá-me lume, dá-me lume
Deixa o teu fogo envolver-me
Até a musica acabar
Dá-me lume, não deixes o frio entrar
Faz os teus braços fechar-me as asas
Há tanto tempo a acenar
Se eu fosse compositor
Compunha em teu louvor
Um hino triunfal
Se eu fosse critico de arte
Havia de declarar-te
Obra-prima à escala mundial
Mas eu não passo dum homem vulgar
Que tem a sorte de saborear
Esse teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar
Dá-me lume, dá-me lume
Deixa o teu fogo envolver-me
Até a musica acabar
Dá-me lume, não deixes o frio entrar
Faz os teus braços fechar-me as asas
Há tanto tempo a acenar
Da mesma forma que pelos 20 anos de carreira dos Xutos & Pontapés fizeram um álbum de tributo com covers, para celebrar os 20 anos de carreira do Rui Veloso juntaram-se 14 bandas para fazer covers das 11 músicas que faziam parte do primeiro álbum do Rui Veloso. Esta, para mim, é das melhores versões que já ouvi de qualquer música, pelas mãos (e voz) dos Clã com a inevitável letra do Carlos Tê que, para além de ser o senhor que escreve as letras das músicas do Rui Veloso, é também ele que escreve as letras para os Clã.
Tenho à janela
Uma velha cornucópia
Cheia de alfazema
E orquídeas da Etiópia
Tenho um transístor ao pé da cama
Com sons de harpas e oboés
E cantigas de outras terras
Que percorri de lés-a-lés
Tenho uma lamparina
Que trouxe das arábias
Para te amar à luz do azeite
Num kamasutra de noites sábias
Tenho junto ao psyché
Um grande cachimbo d'água
Que sentados num canapé
Fumámos ao cair da mágoa
Tenho um astrolábio
Que me deram beduínos
Para medir no firmamento
Os teus olhos astralinos
Vem, vem à minha casa
Rebolar na cama e no jardim
Acender a ignomínia
E a má língua do código pasquim
Que nos condena numa alínea
A ter sexo de querubim
3 COMENTÁRIOS:
não percebo nada
estou a tentar comparar o teu texto ao sonho de uma noite de verão do shakespeare para ver se apanho alguma coisa
estou no caminho certo?
beijo beijo
Também não percebo nada. A gente bem tenta perceber o que se passa na tua vida não adianta. Mas não faz mal eu falo com a Marta e já sei tudo!
nhé nhé
Beijo*****!
Ana,
É mais ou menos isso, a minha ideia era criar um sonho acordado, ou seja, fazer uma história com aquelas coisas que vivemos nos últimos dias todas misturadas ainda com umas pitadas do surrealismo que existe sempre nos sonhos.
--
Lara,
lolol
É que és croma!
Desta vez nem a Marta te ajudava, mas fica descansada, no post de cima descrevo a minha vida ao pormenor.
Beijos!!!
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